Um velho ditado diz que a única certeza da vida é a morte. Porém, poucas pessoas se preparam para este momento de ruptura. E quando se fala em tratamento de saúde existem agravantes, como a piora de sintomas, dor, progressão da doença. Para amenizar o sofrimento e melhorar a qualidade de vida do paciente, o Hospital Universitário da Universidade Estadual de Ponta Grossa (HU-UEPG) adota há sete anos o tratamento paliativo como uma nova forma de cuidar e olhar para determinados tipos de doença, de pacientes e também dos seus familiares.
A diretora-geral dos HU-UEPG, professora Fabiana Postiglioni Mansani, destaca que o Hospital Universitário foi protagonista na região dos Campos Gerais em implementar o cuidado paliativo, já que é uma especialidade médica recente e que tem desempenhado um papel fundamental para oferecer uma abordagem abrangente ao cuidado de pacientes, cujo foco principal é a melhoria da qualidade de vida. “Ao longo dos últimos anos, o HU tem realizado atendimento humanizado para trazer aconchego na finitude da vida”, destaca. Segundo ela, as equipes que atuam neste cuidado e acompanhamento assistencial têm especial comprometimento e constante especialização, para dar todo o suporte aos pacientes e aos seus familiares. “Com isso, valorizamos a dignidade do paciente em todos os momentos da doença, buscando não apenas prolongar a vida, mas dar sentido a cada momento vivido por meio do SUS”.
Mas o que é o tratamento paliativo?De acordo com o médico Edek Francisco de Mattos da Luz, um dos responsáveis pelo cuidado paliativo no HU-UEPG, esse tipo de tratamento é voltado para doenças progressivas, incuráveis ou ameaçadoras de vida. “Friso o ‘ou’ porque nem sempre o paciente que precisa de um acompanhamento da equipe de cuidado paliativo está com uma doença incurável, mas sim com uma grande carga de sofrimento”. Segundo ele, com a progressão da doença os sintomas pioram e a maneira do paciente interagir com a vida e com o seu próprio mundo também.
Conforme a progressão de determinados tipos de doença o tratamento convencional, chamado na medicina de terapia modificadora de doença, começa a perder espaço porque gera mais efeitos colaterais no paciente. E isso pode gerar uma dúvida: porque continuar vivendo? Para Edek, o intuito do tratamento paliativo é justamente o de devolver um sentido para vida e sobreviver com qualidade de vida até o último dia.
A enfermeira Rafaela Spinardi do Amaral também atua com o tratamento paliativo no HU-UEPG. Ela explica que o acompanhamento dos pacientes é feito através de tratamentos farmacológicos (uso de medicamentos) e não farmacológicos, com atuação da equipe multidisciplinar do Hospital. “Assim, temos a atuação da equipe de fisioterapia, dando assistência na manutenção da vida de forma que fique mais confortável possível; o psicológico, estimulando a autoconfiança e com técnicas de relaxamento; o nutricional, ajudando no balanço entre os processos anabólicos e catabólicos, entre outras funções. Isso garante que o planejamento terapêutico do paciente seja de forma integral e individualizado”.
Com foco em pacientes e familiares, o tratamento paliativo pode ser um grande alento em momentos complexos
Para falar sobre os benefícios do tratamento paliativo conversamos com a filha de uma paciente que o recebe no HU-UEPG. Ela preferiu não ser identificada. A mãe luta contra a Doença de Parkinson há 14 anos e foi internada no Hospital no dia 27 de outubro, devido a complicações com a doença. “A mãe chegou bem debilitada, mas agora alguns exames já estão bem melhores. Mas é sempre um dia de cada vez. Mesmo assim, o tratamento paliativo foi um alívio para ela. Como ela se comunica apenas com o piscar dos olhos, agora percebo que ela está muito mais atenta”.
Além dos benefícios do tratamento, a filha da paciente conta que a acolhida de todos os funcionários foi muito importante para ela. “O tratamento aqui é de primeira. Todo o amor que cada um tem conosco aqui, desde o pessoal da limpeza, todas as equipes: médicos, enfermeiras; todas as pessoas fazem a diferença. Esse acolhimento é o ápice de tudo para a pessoa que está aqui, não só o paciente, mas para a família. Um amor fraterno que todos têm aqui no Hospital é uma maravilha”, exalta.
Origens do tratamento paliativo
Existem diversos fatores que podem interferir e influenciar a saúde de um paciente. O mais comum é o físico/biológico, que está relacionado diretamente com a dor e o bem-estar das pessoas. É muito fácil de ser identificado. Porém, o tratamento paliativo tem um olhar diferenciado para outras causas, inclusive já determinadas pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS). “Somos um ser que precisa do bem-estar físico, psíquico, social e espiritual. Então a partir deste momento quando a gente atinge esse equilíbrio é que podemos falar sobre real condição de saúde”, destaca o médico Edek.
Todo esse “entorno” se torna importante na avaliação, já que questões como ansiedade, depressão e tristeza podem acarretar em uma piora dos sintomas e até mesmo a adesão do paciente ao tratamento. Segundo o médico, “Perguntas como ‘por que Deus fez isso comigo?’ ou ‘por que isso está acontecendo comigo?’ ou ‘sempre fiz uma alimentação de maneira adequada e sempre fiz exercícios, por que essa doença?’ são questões existenciais que precisam ser avaliadas”.
Além disso, a questão da espiritualidade, segundo Edek, não é apenas sobre religiosidade e sim uma conexão com algo externo e isso pode acontecer de várias maneiras. “Uma das expressões da espiritualidade é a religião. Mas no momento em que a pessoa começa a escutar uma música, e não se percebe mais naquele mesmo ambiente e isso traz conforto, é uma expressão de espiritualidade. Quando avaliamos que existe esse momento de cuidado conseguimos reduzir um pouco da carga de sofrimento e, às vezes, dá um pouco mais de fôlego pra avançar no tratamento e conseguir tolerar os sintomas desconfortáveis”, afirma o médico responsável pelo tratamento paliativo.
Morte e vida, de Cicely Saunders
Parafraseando o escritor brasileiro João Cabral de Melo Neto com um dos seus textos mais famosos, “Morte e Vida Severina”, o tratamento paliativo é uma jornada, assim como a de Severino, por caminhos tortuosos e com muitas dificuldades. Mas no final, a vida prevalece, ou melhor, o viver.
“O momento mais delicado é quando falamos sobre o processo próximo de morrer. É uma separação que independe da crença da pessoa. Vai acontecer e não sabemos até o momento se vai haver reencontro ou quando vai haver esse reencontro. O direito à vida é o que realmente importa e por isso as organizações europeias de cuidado paliativo são veementemente contra a eutanásia. Então, nós não estamos falando sobre morte, e sim sobre reduzir o sofrimento enquanto ainda há vida. A morte faz parte do processo da vida de todos nós”, destaca Edek, sobre como encarar essa viagem por terras áridas e secas.
Cicely Saunders foi a precursora do tratamento paliativo no mundo. Em meio à “seca”, ela percebeu que os pacientes, às vezes, recebendo doses muito altas de analgésicos, continuavam sem melhorar os sintomas de dores. Assim, ela avaliou os aspectos sociais, psicológicos e espirituais dos pacientes. “A dor biológica do paciente pode ser influenciada por vários outros aspectos. Se os sintomas não melhoram, é muito importante que procuremos e encontremos quais outras questões podem estar permeando esse sofrimento intenso. Então, por isso o entendimento de quem é o paciente, quais seus valores, sua profissão, suas preocupações são importantes para que o paciente seja cuidado como um todo”, completa o médico.
Prevenir ainda é o melhor remédio
No HU-UEPG o tratamento paliativo é ofertado apenas para pacientes em internamento. A enfermeira Rafaela conta que, de junho a setembro deste, ano 136 pessoas receberam esse tipo de acompanhamento, com o pico de 41 pacientes no último mês.
O médico responsável pelo tratamento paliativo no HU-UEPG afirma também que é importante o encaminhamento e o acompanhamento precoce de doenças com perspectivas de grandes cargas de sofrimento. “Existem evidências científicas de que pacientes que estavam junto com o cuidado paliativo precocemente tiveram uma sobrevida maior, ou seja, viveram com maior qualidade de vida. Sempre existe alguma maneira de aliviar o desconforto de alguém. Isso depende da vontade do paciente e principalmente de conhecimento técnico especializado com avaliações frequentes pormenorizadas para que esse paciente tenha todo o seu tratamento otimizado”, finaliza Edek.
Texto e fotos: Tierri Angeluci