“Ninguém abre as portas para nós, imigrantes, como a Uece abriu”. Essa frase é da participante do programa de extensão Vidas Cruzadas, a venezuela Roxana Mirene Arcaya, de 43 anos, que saiu de seu país de origem em 2015 em busca de dias melhores no Brasil, mas o que encontrou foram obstáculos, principalmente financeiros. “Viemos por conta da crise do país e das dificuldades para adquirir alimentos, transporte, etc… Mas, no Brasil, não foi como a gente esperava, a gente tinha um tipo de expectativa e a realidade foi outra”, desabafa Roxana.
Com o marido e um filho de apenas 2 anos de idade, ela tentou reconstruir sua vida e a de sua família inicialmente em Manaus, mas, decepcionada, veio para Fortaleza em 2016. “Tivemos vários problemas econômicos em Manaus, a gente começou vendendo doces na praia e, depois de oito meses, como não estava dando certo, a gente decidiu vir pra cá pra Fortaleza. Foram quatro dias de barco e ficamos uma semana em Belém. Depois, vimos de carona de caminhão de Belém pra cá, porque não tínhamos dinheiro pra passagem”, conta.
Em Fortaleza, mais uma vez, a frustração. Os dias difíceis se tornaram ainda piores com a pandemia de Covid-19. Resiliente, permaneceu na capital cearense e, em 2023, conheceu a Universidade Estadual do Ceará (Uece) e o programa de extensão Vidas Cruzadas, que tem como objetivo desenvolver espaços coletivos de reflexão, debate e acolhimento que possam mitigar problemáticas vinculadas às questões de aquisição de linguagem, escolarização, regularização documental, inserção laboral, expressão cultural, mediação de conflitos, atendimento psicológico, capacitação técnica, entre outros.
Roxana participou de diversas atividades do programa, mas o que transformou sua vida no Brasil foi a Feira do Migrante, um dos projetos inseridos no Vidas Cruzadas. “A Feira representa uma oportunidade de trabalho, de encontro e de troca de conhecimentos com os membros da faculdade, é uma oportunidade única”. Para a venezuela, essa oportunidade representa, ainda, dignidade, estabilidade e segurança. A Feira acontece no campus Itaperi, às quartas-feiras, no corredor central.
A coordenadora do Projeto Feira do Migrante e professora da Uece, Denise Bomtempo, explica que, atualmente, o Programa Vidas Cruzadas possui, além de diversas ações, mais três projetos de extensão: Geografias Cruzadas, também sob sua coordenação; Ciranda de Palavras, que tem à frente a professora Luciana Quixadá; e Português como língua de acolhimento, liderado pela professora Nukácia Araújo; já havendo beneficiado mais de 100 pessoas.
Para Bomtempo, o Programa dignifica e inclui os migrantes. “Diante da trajetória de construção do Programa e das ações realizadas até então, acredito que seja um trabalho bastante satisfatório, e que demonstra ter um grande potencial aglutinador para desenvolvimento de pesquisa-ação e com isso, contribuir para acolhimento e permanência das pessoas em situação de migração de maneira digna e inclusiva. Além disso, garante a missão da Uece, qual seja, desenvolver projetos a partir das demandas da sociedade”. Em sua percepção, a Uece acredita no trabalho construído e entende que as pessoas migrantes têm direitos comuns. “Essa postura amplia, no século XXI, a concepção de sociedade cearense, ou seja, uma sociedade formada também por aquelas pessoas que chegam e que têm direitos de ocupar e construir espaços de pertencimento, a Uece está sendo um deles”.
Além dos contemplados pelo programa Vidas Cruzadas, milhares de outras pessoas são beneficiadas, todos os anos, por meio das iniciativas de extensão da Universidade Estadual do Ceará (Uece). Outro exemplo dessas pessoas que têm sua vida positivamente impactada por atividades e ações de extensão é o jovem morador do bairro Serrinha, Jean Pereira Rodrigues, de 27 anos, que, por meio do Programa Viva a Palavra, viu a sua vida tomar um rumo inesperado. “Sou muito grato por tudo que o Viva fez e continua fazendo por mim e por todos da Serrinha”.
Jean conheceu o Programa em 2016 por meio das atividades realizadas em seu bairro. Tímido, olhava de longe o movimento, até surgir um inesperado convite. “Fui convidado para fazer as músicas, as acolhidas com as crianças na atividade de contação de histórias. Foi aí que começou a minha trajetória dentro do Viva”. À época, Jean não sabia bem o que queria fazer na vida e, aos poucos, o desafio por ele aceito foi norteador, pois, como ele diz, foi plantada ali a “sementinha da Pedagogia”. Em 2018, como resposta às demandas da comunidade, o Viva a Palavra deu início a um novo projeto, o cursinho popular, no qual Jean logo tratou de garantir uma vaga.
“Fiz o vestibular da Uece para o curso de Pedagogia e passei! Foi o cursinho Viva a Palavra que me possibilitou estar hoje dentro da universidade… Foi um momento muito feliz da minha vida e dos meus familiares porque eu sou o primeiro da minha família a entrar numa universidade”. Jean, que antes conhecia apenas os corredores do campus, já que costumava acompanhar sua mãe, a querida tia do lanche, D. Lúcia, agora conhece todo o universo de uma graduação. E, enquanto isso, é bolsista da Biblioteca Comunitária do Programa, no bairro da Serrinha.
“Hoje eu tenho esse privilégio de estar na universidade para estudar, de passar por esse portão com muito orgulho de ser universitário. O Cursinho foi uma porta que se abriu, foi uma experiência que transformou a minha vida e de outras pessoas que, como eu, conseguiram entrar na universidade”, finaliza Jean.
De acordo com a coordenadora do Programa, professora Claudiana Alencar, o Viva a Palavra atua com diversos projetos, como o Biblioteca Comunitária Viva a Palavra; Línguas na Comunidade; Sarau Viva a Palavra; Cursinho Popular Viva a Palavra, Palavras de Paz; Cenopoesia no Viva a Palavra; projeto socioambiental em defesa da Lagoa de Itaperaoba; e Contação de Histórias Me Conte; beneficiando mais de mil pessoas, além de cerca de 2 mil por meio dos saraus. “O Viva a Palavra é um espaço de esperança e resistência na Periferia, em especial no território da Serrinha, na luta pelo direito à leitura, ao livro, à literatura, à arte e à poesia, mostrando a importância da palavra para a transformação social”, avalia a coordenadora.
A Extensão da Uece vem sendo reconhecida e ampliada, com a oferta de programas e projetos nas áreas da Saúde, Educação, Cultura, Meio Ambiente, Comunicação, Tecnologia, Trabalho e Direitos Humanos, todos atrelados a, pelo menos, um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. Atualmente, a Uece oferece 460 diferentes projetos de extensão. Esse número representa aumento de 72% sobre o ano de 2021. Além dos programas e projetos, a Extensão universitária atua em mais três modalidades: cursos, eventos e prestação de serviços. Somente em 2023, mais de 240 mil pessoas foram beneficiadas. A pró-reitora de Extensão da Uece, professora Lana Nascimento, faz uma avaliação:
“Essas ações expressam a potência de uma extensão universitária na Uece que cresce cada vez mais na sua articulação dialógica com os movimentos sociais, os coletivos culturais, a rede de educação básica, as políticas sociais e os setores públicos diversos. Cresce também em sua capilaridade e abrangência territorial no estado do Ceará. Cresce no movimento de indissociabilidade com a pesquisa e o ensino, na dimensão da interdisciplinaridade e interprofissionalidade e no fortalecimento do protagonismo estudantil para a construção de uma universidade cada vez mais extensionalizada e comprometida com os processos de autotransformação e de transformação social”.
Para alcançar uma universidade cada vez mais extensionalizada que a pró-reitora vislumbra, diversas outras ações são executadas, como:
Seminários de Curricularização: tem como objetivo aprofundar o conhecimento sobre essa questão, acompanhar a efetivação, a implementação da inserção curricular e gerar entendimento coletivo sobre a importância da inserção da extensão nos currículos de graduação;
Proext-PG, que articula as pró-reitoras de pós-graduação e pesquisa e de extensão: o Programa de Extensão da Educação Superior na Pós-Graduação, financiado pela Capes com R$ 467.500, visa fortalecer das atividades de extensão no âmbito da pós-graduação, envolvendo 14 Programas de Pós-Graduação (PPGs) da Uece. Será lançado em breve;
Mestres da Cultura: a Proex/Uece é responsável pela certificação de “Mestres da Cultura”, como Notório Saber, a partir de Edital dos “Tesouros Vivos da Cultura”, da Secult, que visa reconhecer pessoas ou grupos dotados de conhecimentos e técnicas de atividades culturais cearenses;
Entre diversas parcerias firmadas, destaca-se a realizada com o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJ-CE), visando acordo de cooperação técnica para apoio à Política Antimanicomial encampada pelo Tribunal e apoio à saúde mental dos internos do sistema prisional; e com Ministério Público do Ceará, para o projeto Nós Propomos!;
Revista de Extensão e Cultura da Uece (RECULT): Com o objetivo de promover a difusão da produção acadêmica de extensionistas do Brasil e do exterior, configurando-se como um importante veículo voltado à disseminação do conhecimento e à interação entre múltiplos saberes e as diversas linhas da Extensão universitária, consolidando a indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão, a Proex lançou em abril a primeira chamada para submissão de artigos da nova revista RECULT/Uece.
Entre as muitas ações da Proex, se destaca, ainda, as que são voltadas para o aperfeiçoamento da gestão, como explica a pró-reitora. “A gestão tem buscado atuar para que a concepção e a prática das Diretrizes da Extensão na Educação Superior se efetivem, o que não pode prescindir de mudanças e melhorias, seja no aspecto das orientações normativas relativas ao desenvolvimento das atividades, em especial no que se refere às modalidades de extensão estabelecidas nas Diretrizes; seja no apoio ao desenvolvimento e ampliação das ações que consideramos as mais estruturantes, orgânicas e sustentáveis, caso dos projetos e programas de extensão; seja no apoio à Prograd para a implementação da inserção curricular da extensão, seja na parceria com a PROPGPq para a condução do Proext-PG e para o recrudescimento da extensão na pós-graduação, seja na articulação da Política Nacional de Extensão com a agenda da sustentabilidade do desenvolvimento, o que nos impõe a um alinhamento de pautas com os objetivos do desenvolvimento sustentável, com a corrida para diminuição das emissões de carbono, dentre outras questões de natureza socioambiental e política que nos são cruciais e urgentes”, finaliza a professora Lana Nascimento.