Vaniza Schuler: ‘Alagoas é um caso de sucesso de união do setor de turismo”
A gaúcha Vaniza Schuler, consultora de turismo com foco em marketing de destinos e captação de eventos com mais de 30 anos de atuação no mercado, acompanhou de perto a evolução do turismo em Alagoas na última década.
Além de ter realizado pesquisas para o Maceió Convention & Visitors Bureau desde 2015, Vaniza conheceu e aconselhou profissionais de turismo em cidades como Marechal Deodoro, Penedo, Barra de São Miguel e Arapiraca.
“A integração de todos os que trabalham no turismo em Alagoas é um caso raro no país”, diz Vaniza, que conversou com AGENDA A pouco antes da apresentação da palestra “Pesquisa Comparativa de Turistas de Eventos Associativos e Esportivos”, promovida pelo Maceió Convention & Visitors Bureau, na manhã da terça (07), no Hotel Jatiúca – mesmo dia em que confirmou o convite para assumir uma das gerências da Embratur no atual governo.
AGENDA A: Como consultora, você conhece de perto o mercado turístico de várias regiões do Brasil e, no Nordeste, realizou pesquisas em Fortaleza, Maceió e outras cidades. Como você avalia o setor em Alagoas comparativamente a outros Estados?
Vaniza Schuler: Me sinto confortável em fazer essa análise porque tenho uma relação de longa data com o turismo em Alagoas. E posso dizer que as instituições do turismo do Estado, como o Maceió Convention & Visitors Bureau, se destacam nacionalmente pela forma do arranjo institucional e articulação com vários segmentos locais. Não apenas o trabalho em parceria com a ABIH Alagoas, mas também com o Sebrae, Abrasel, secretarias estaduais e municipais de turismo, enfim, esse trabalho conjunto é tão raro que sempre indico como um exemplo, um benchmarking para outras instituições. Não tenho dúvidas de que essa união é responsável direto pelo avanço no turismo do Estado. É um diferencial competitivo, por exemplo, para otimização do uso de recursos. A própria campanha de incentivos desenvolvida em Maceió junto aos recepcionistas dos hotéis para a arrecadação do room tax (contribuição voluntária de visitantes) é outro case de sucesso. E essa união aliada ao esforço de captação de eventos e realização de pesquisas para compreender melhor o perfil do setor trouxe vários dados importantes.
O que essas pesquisas mostraram?
Realizamos algumas pesquisas recentes, por exemplo, para entender e ajustar o foco no esforço de captação de eventos para o Estado. Com a pandemia, houve naturalmente uma quebra nos grandes congressos em todo mundo. Ainda assim, percebemos alguns sinais importantes, que é o tema da minha apresentação aqui. Se, por um lado, houve uma retração de congressos científicos e técnicos, houve paralelamente um crescimento exponencial de eventos esportivos ao ar livre. Durante a pandemia, as empresas e patrocinadores buscaram associar suas marcas a eventos que promovessem temas ligados à saúde e ao bem-estar. E como a captação desses eventos tem uma dinâmica diferente da dos congressos científicos, por exemplo, nem sempre os arranjos locais de turismo estão preparados para conhecer esse setor. Ao iniciarmos o levantamento de dados desse segmento em Alagoas, com pesquisas e visitas técnicas com líderes da área, ficou cada vez mais claro como Maceió tem se tornado um dos destinos de eventos esportivos ao ar livre não apenas nacional, como internacional. Até porque houve uma busca para eventos desse tipo em Maceió quase de forma espontânea. E, quando isso acontece, é sinal de que temos um potencial gigante que precisa ser compreendido e trabalhado com muito mais atenção.
Quais os principais entraves de infraestrutura que ainda dificultam a realização desse potencial?
Primeiro, precisamos reconhecer que Alagoas tem hoje uma infraestrutura hoteleira qualificada e quase toda concentrada à beira mar ou a poucas quadras da orla, o que é uma grande vantagem competitiva. E o melhor: esses hotéis estão próximos também, por exemplo, do Centro de Convenções, o que permite que um visitante com uma palestra marcada para às 9h da manhã possa acordar mais cedo, caminhar nessa orla maravilhosa, mergulhar no mar, e chegar no horário da palestra. E quando a gente fala de infraestrutura hoje, acredito que muitas pessoas, erroneamente, se concentrem, por exemplo, no tamanho do Centro de Convenções. Acho que o Centro de Convenções de Maceió pode e precisa ser melhorado, mas tem um tamanho adequado à imensa maioria de grandes eventos. No caso dos eventos esportivos ao ar livre, por exemplo, que trabalham com estruturas arquitetônicas efêmeras, muito mais importante é cuidar da infraestrutura da orla, do saneamento, do meio ambiente. Não há como realizar uma prova de natação numa orla e o atleta se deparar, por exemplo, com uma língua suja. Mesmo que não seja uma rede de esgoto, que seja de galeria de águas pluviais, não se trata de água limpa. Cuidar e qualificar o entorno desse meio ambiente fantástico que vocês têm deve ser a prioridade. Para grandes eventos internacionais ao ar livre, isso vale muito mais do que ter estádios olímpicos ou estruturas prediais complexas. Hoje, seja no turismo de eventos associativos ou esportivos, o visitante privilegia muito o seu bem estar, o chamado blaisure (mistura de negócios e lazer). E vocês têm uma cidade que se encaixa muito bem nessa tendência. Mas será que os organizadores de eventos sabem disso? Será que alguém que esteja pensando em trazer um evento no Estado conhece as vantagens de acesso, a proximidade dos hotéis da orla, do Centro de Convenções? Só recentemente, por exemplo, descobri que poderia fazer um bate e volta rápido pela manhã na Praia de Francês. Vocês têm praias maravilhosas na orla urbana e outras a 20 minutos de Maceió. Mas, se um turista num congresso quiser fazer uma visita rápida, terá dificuldades, não vai encontrar um translado para esse tipo de visita, só para quem vai passar o dia todo na praia.
Você está dizendo então que temos um problema maior de divulgação adequada do destino do que de infraestrutura?
Sim, acredito que, na era das redes, do marketing digital, é preciso divulgar de forma mais clara e direta as vantagens de se organizar um evento aqui. E é preciso também entender que, no caso dos eventos esportivos ao ar livre, a compra é feita muitas vezes diretamente pelo consumidor, sem intermediários. Ou seja, além do incentivo às operadoras, é preciso saber se comunicar diretamente com o consumidor do destino. E mostrar e oferecer a ele várias programações possíveis que ele pode fazer durante sua estadia.
Em termos de programação cultural, você não acha que Alagoas ainda tem um cardápio muito limitado em relação a outros destinos do Nordeste?
Sem dúvida, esse é um ponto que pode evoluir muito no Estado. E não apenas em Maceió, mas em cidades históricas como Penedo, Marechal Deodoro. Mesmo Arapiraca, por exemplo, que se destaca mais por seu papel na economia, pode e deve agregar um calendário de eventos culturais para conquistar uma reputação turística maior. Em Recife, por exemplo, a cultura é um dos maiores atrativos do destino. E não apenas pelo Carnaval, não. Museus como do Instituto Ricardo Brennand e do artista Francisco Brennand, por exemplo, se tornaram verdadeiros parques temáticos culturais que atraem milhares de visitantes. A própria valorização do patrimônio histórico do Centro de Recife, assim como de Olinda, se tornaram grandes atrações. Daí o potencial que Alagoas tem para crescer nesse quesito, seja em Maceió, seja em cidades como Penedo, com sua arquitetura maravilhosa à beira do São Francisco, ou Marechal Deodoro.
Enquanto Maceió concentra hoje um grande número de hotéis, Penedo, por exemplo, ainda conta com poucas opções para além do tradicional Hotel São Francisco e algumas pousadas. A falta de hotelaria é o principal gargalo?
Sim, sem oferta hoteleira adequada, fica difícil atrair eventos de qualquer setor. Mas investidores do setor de hotelaria só vão desembarcar em Penedo e outras cidades ao sentirem que são destinos que terão um fluxo de visitantes contínuo. É preciso primeiro investir na projeção da reputação turística do destino, promovê-lo, torná-lo conhecido, para que o investidor saiba que terá uma taxa média de ocupação sustentável. Como disse, não adianta investir em infraestrutura, como em um novo centro de convenções, se o destino não for conhecido e desejado. Daí a necessidade desses destinos realizarem pesquisas, para compreender melhor seus atrativos, eventuais gargalos, e se posicionarem de forma adequada investindo em uma comunicação mais clara sobre seus atrativos. Além disso, muitas dessas cidades podem começar a trabalhar o destino atraindo congressos estaduais, regionais. Boa parte das pessoas que vêm para eventos em Alagoas são de cidades e Estados vizinhos, vieram de automóvel, e nem sempre esse turista é valorizado. Moro em Gramado e sei que, quem sustenta os fluxo de visitantes de Gramado fora da temporada, é o próprio gaúcho. Antes de conquistar visitantes nacionais, por que não investir primeiro na atração de visitantes locais e de Estados vizinhos para garantir um fluxo que atraia novos hotéis? Enfim, Alagoas tem cidades com atrativos de sobra, mas não basta ter atrativos, é preciso que os outros saibam disso, e não há como fazer isso sem pesquisa e comunicação adequada.