As escolas da rede pública estadual do Ceará estão recebendo o projeto “Prateleira Maria da Penha”, que organiza uma coletânea de obras temáticas em defesa da equidade de gênero e proteção das mulheres. Inicialmente, o acervo ficará disponível nos Centros de Multimeios de 25 unidades de ensino, com expansão gradual para as demais. A ação é fruto de parceria entre a Secretaria da Educação (Seduc), o 1°Juizado da Mulher de Fortaleza e o Instituto Maria da Penha.
O lançamento oficial do projeto em 2024 ocorreu na última quarta-feira (24), na sede da Seduc. A solenidade contou com as presenças da secretária Eliana Estrela; da farmacêutica e ativista Maria da Penha; do secretário executivo de Equidade e Direitos Humanos, Helder Nogueira; da titular do Juizado da Mulher, juíza Rosa Mendonça; da senadora Augusta Brito; da secretária executiva da Secretaria das Mulheres, Raquel Andrade; e da delegada Monique Teixeira, coordenadora da Divisão de Proteção ao Estudante, vinculada ao Departamento dos Grupos de Vulneráveis da Polícia Civil. A abertura teve a participação do cordelista Tião Simpatia, autor da obra “A Lei Maria da Penha em Cordel”.
A coletânea contemplará autores e leis voltadas para o público feminino. A Escola de Ensino Médio (EEM) Liceu de Messejana, em Fortaleza, tornou-se a primeira unidade de ensino do Brasil a receber o espaço, de forma piloto, ainda em 2023, ano em que se iniciou o termo de cooperação.
Eliana Estrela ressalta que a história de Maria da Penha é exemplo de perseverança e luta social, e que a prateleira irá suscitar diálogos importantes nas escolas. “A educação, de certo modo, é formada por uma maioria de mulheres. Queremos que essa corrente continue cada vez mais sólida, e que a gente possa se fortalecer uma na outra. Não podemos deixar de reconhecer o papel fundamental dos homens que se aliam à causa e também pensam políticas para fazer chegar às mulheres a proteção necessária. A prateleira é algo simbólico, que irá reforçar o trabalho feito no chão da sala de aula, desenvolvido por toda a comunidade escolar”, aponta.
Maria da Penha considera um importante avanço a inserção das prateleiras e o trabalho da temática nas escolas. “Queremos ver a mudança da cultura de ódio existente na sociedade, que se manifesta em atos de machismo e violência contra a mulher. O machista de hoje é aquela criança que viu o pai batendo na mãe, o avô batendo na avó. Isso é considerado ‘normal’, ‘atitude de homem’, e precisa ser desconstruído. Os meninos têm que aprender que isso não pode continuar acontecendo, e as meninas devem saber que existe um mecanismo para sair dessa situação. Com professores capacitados transmitindo informações e explorando o tema em sala de aula, torna-se possível, inclusive, perceber uma aluna demonstrando comportamento que possa ser considerado fruto de uma violência que ela sofre em casa, e saber abordar a situação”, ilustra.
A Seduc, por meio da Coordenadoria de Educação em Direitos Humanos, Inclusão e Acessibilidade, vem realizando campanhas e ações que contribuem para a prevenção da violência doméstica e de gênero voltadas para o público escolar. Estas iniciativas fazem parte do Projeto Escola Acolhedora, que tem o intuito de promover a educação em direitos humanos nas unidades de ensino, adotando uma abordagem inclusiva e abrangente. Reconhecendo a necessidade de abordar a diversidade e de superar as desigualdades, o “Escola Acolhedora” busca transformar as escolas em espaços onde a dignidade e os direitos individuais sejam respeitados e promovidos.
Helder Nogueira enaltece a possibilidade de estudantes, professores e toda a comunidade escolar terem acesso a leituras importantes para o debate da equidade de gênero e proteção das mulheres. “É fundamental o letramento de gênero dentro da perspectiva da educação em direitos humanos, porque assim nós combatemos o machismo que estrutura a sociedade cearense e brasileira”, afirma.
Além disso, o Governo do Ceará, por meio da Seduc, em parceria com o Governo Federal, coordena o programa Mulheres Mil, que visa possibilitar formação profissional, inicialmente para 500 mulheres em situação de vulnerabilidade, localizadas em diversos territórios de Fortaleza, já iniciado.
Rosa Mendonça explica que os materiais informativos foram produzidos por diversos órgãos e entidades que trabalham no combate à violência contra a mulher. “Queremos suscitar o estudo do tema com o público jovem. Infelizmente, ainda não estamos dentro da educação como gostaríamos, mas essa prateleira é um passo para conseguirmos. Vamos fazer com que esse debate seja permanente, e não somente nas datas comemorativas ao combate da violência contra a mulher. Trata-se de um projeto muito grandioso”, frisa.
Em 2024, a Seduc adotou como tema condutor de sua prática pedagógica a “Equidade de gênero e proteção das mulheres”. Os estabelecimentos de ensino foram orientados a trabalhar ações reflexivas sobre estratégias de prevenção e combate ao machismo e à misoginia; a abordagem dos tipos de violência contra a mulher, como moral, psicológica, física, sexual e patrimonial; os direitos das mulheres; a obtenção de medidas protetivas; o funcionamento da rede de assistência social, jurídica e psicológica de proteção às mulheres; bem como a valorização e o reconhecimento desse grupo em todas as áreas do conhecimento e nos espaços de poder.
Raquel Andrade classifica os profissionais da Educação como “grandes aliados” na prevenção e no enfrentamento da violência contra a mulher. “Queremos disseminar práticas que sedimentem a cultura anti-machista. As crenças que nós temos – e que provocam a desigualdade de gênero – como a de que mulher deve ganhar menos, ou que mulher é inferior, tudo isso vem também de um processo de aprendizagem, de absorção de valores. Então, implementar um projeto com a literatura feminina e feminista, trazendo grandes autoras sobre temas relativos aos direitos das mulheres, é implementar nesses espaços uma semente”, projeta.
Monique Teixeira argumenta que aprofundar o debate é necessário para que os jovens compreendam a importância do tema e passem a ter um novo olhar sobre a pauta. “É inovador a gente aproximar as questões de violência de gênero dos estudantes em formação, pois eles são terrenos férteis para mudanças. Por meio do conhecimento, da compreensão de onde nasceram as diferenças de gênero e por que elas continuam até hoje, do que significa machismo estrutural, do que significa feminismo, conseguiremos fazer com que a igualdade de gênero floresça e o combate à violência realmente aconteça”, destaca.
Augusta Brito apoia a iniciativa e defende a apropriação do teor da lei pela comunidade escolar. “O Ceará, mais uma vez, vai sair na frente ao fazer com que em suas escolas estaduais exista, regularmente, uma pauta sobre a Lei Maria da Penha, a equidade de gênero e o respeito. Precisamos conhecer do que tratam os artigos e esperamos, ansiosamente, que essa lei seja realmente posta em prática, não ficando apenas no papel. A lei não vem só para punir, mas também para prevenir. O assunto não é só para mulheres, mas também para os homens e para a sociedade como um todo”, salienta.